ANTONIO CANDIDO A coleção

Relançamento da obra de um autor decisivo para o pensamento social brasileiro.

Com imensa alegria, a Todavia comunica que passará a publicar a obra do professor e crítico literário Antonio Candido (1918-2017). Serão 17 livros, entre eles uma edição especial da Formação da Literatura Brasileira, que começam a ser publicados no primeiro semestre de 2023.
A Todavia tem a grande responsabilidade de dar continuidade ao trabalho de excelência feito pela Ouro sobre Azul, casa editorial que publicou a obra do autor nos últimos anos, em edições revistas pelo próprio Candido até pouco antes de sua morte.

O desafio será manter a qualidade impecável das edições atuais com novos projetos gráficos, ampliar a circulação dentro e fora do país e mostrar às novas gerações a atualidade de uma obra inesgotável e decisiva.
Antonio Candido não foi apenas o maior crítico literário brasileiro. Foi também o último representante da geração que produziu intelectuais do porte de Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector, entre tantos outros.

Intérprete do Brasil, Candido partilhava com Gilberto Freyre, Caio Prado Jr., Celso Furtado e Sérgio Buarque de Holanda uma largueza de escopo que o pensamento social do país jamais voltaria a igualar, aliando anseio por justiça social, densidade teórica e qualidade estética. Com eles também partilhava o gosto pela forma do ensaio, incorporando o legado modernista numa escrita a um só tempo refinada e cristalina.
Com seu saber enciclopédico, sua atitude generosa e seu olhar sensível sobre a cultura e a sociedade, Candido integra uma linhagem de pensadores latino-americanos que marcariam para sempre a produção intelectual do continente, com influência internacional.

Segundo Ana Luisa Escorel, filha de Antonio Candido e responsável pela publicação da obra do pai entre 2006 e 2022, a passagem para uma nova editora completa o movimento virtuoso iniciado na Ouro sobre Azul. “Agora, sob os cuidados da Todavia, um público mais amplo poderá entrar em contato com essa obra fundamental da cultura brasileira.”
A aproximação entre as editoras contou com a consultoria de Paulo Gurgel Valente, da ProFit.

Coleção Antonio Candido

Relançamento da obra de um autor decisivo para o pensamento social brasileiro.

Outro Brasil

Luiz Carlos Jackson

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Parceiros do Rio Bonito;

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Iniciação à literatura brasileira

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Luiz Carlos Jackson é professor de sociologia na Universidade de São Paulo e pesquisador do Núcleo de Sociologia da Cultura/USP. É autor dos livros A tradição esquecida: Os parceiros do rio Bonito e a sociologia de Antonio Candido (segunda edição ampliada, UFMG, 2018) e, em parceria com o sociólogo argentino Alejandro Blanco, Sociologia no espelho: ensaístas, cientistas sociais e críticos literários no Brasil e na Argentina (Editora 34, 2014).

Outro Brasil

Luiz Carlos Jackson

O sucesso editorial persistente de Os parceiros do Rio Bonito reforça a tese de que esse livro pode ser lido como uma interpretação abrangente sobre os processos de “formação” e “modernização” da sociedade brasileira, analisados a partir do mundo social do caipira, o sitiante pobre paulista, inscrevendo-se na tradição do ensaio histórico-sociológico brasileiro. O livro foi publicado pela primeira vez em 1964 na Coleção Documentos Brasileiros, da Editora José Olympio, pela segunda em 1971 pela Duas Cidades, que editou o livro até sua décima edição (de 2001), esta realizada em parceria com a Editora 34. A Ouro sobre Azul editou a 11a e a 12a (2017), a última em coedição com a Edusp. Celebramos agora uma nova edição pela Todavia, alcançando a média aproximada de uma edição a cada quatro anos e meio em quase sessenta anos. 

O livro originou-se da tese de doutorado de Antonio Candido, defendida em 1954, e os dez anos de intervalo entre as duas publicações envolveram a mudança institucional do autor entre a sociologia e a crítica literária, inscrita no processo amplo de polarização política que conduziu ao golpe de 1964 e à ditadura miliar (1964-85). Nascido em 1918, descendente de famílias das oligarquias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, filho de um médico, Candido passou a infância e parte da adolescência em Poços de Caldas (mg) e veio para São Paulo antes de completar vinte anos, movido pela expectativa de ingressar na então recém-criada Universidade de São Paulo (1934). Ali deixaria inconclusa a formação em direito e se tornaria sociólogo numa das primeiras turmas do curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, ensinado pelos professores da missão francesa, em especial por Roger Bastide, que exerceu enorme impacto sobre seus alunos e alunas na longa temporada (1938-53) em que lecionou na instituição. Não obstante, o convite para ingressar na carreira acadêmica como professor assistente partiu de Fernando de Azevedo, então catedrático da Cadeira de Sociologia ii, logo após Antonio Candido concluir a graduação em 1941. No início dos anos de 1940, o jovem sociólogo iniciou, também, sua atividade profissional como crítico literário nos jornais (Folha da Manhã e Diário de São Paulo), catapultada pela iniciativa de editar com colegas da faculdade a revista cultural Clima (1941-4), na qual se destacou ao escrever sobre literatura. Essa dupla atividade combinou a formação educacional privilegiada que recebeu desde criança ao treinamento intelectual sistemático obtido no curso de ciências sociais, sob a orientação dos professores franceses.

A produção intelectual copiosa das primeiras gerações de sociólogos e sociólogas paulistas derivou dessa experiência de institucionalização extraordinária — conectada diretamente com os centros da sociologia europeia e estadunidense — e rompeu com a tradição intelectual estabelecida pelos ensaístas, formados em direito, medicina ou engenharia, ao introduzir novos temas, objetos e perspectivas de análise e reivindicar a sociologia como ciência. Ao mesmo tempo, os e as cientistas sociais deram continuidade a essa tradição retomando problemas e interpretações nela fixados. De forma geral, a sociologia restringiu o foco de grande angular das grandes interpretações do Brasil, forjadas, entre outros, por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr., em favor de enquadramentos mais específicos, como os que se voltaram às comunidades e aos pequenos produtores rurais, embora ainda interessada nas questões associadas da “formação” e “modernização” da sociedade brasileira, eixo da tradição ensaística. 

Entre os ensaístas que discutiram o estatuto histórico e sociológico dos agricultores pobres — no interior das grandes interpretações, mais interessadas no latifúndio agroexportador, na família patriarcal e na díade senhor-escravo —, reconhecer ou não sua existência autônoma e importância na formação histórica e social do país, desde a colonização, era a questão fundamental.

Em Os sertões (1902), Euclides da Cunha sugere uma resposta positiva a essa questão. O livro propõe a interpretação do processo de formação nacional a partir de dois eixos paralelos, vinculados ao Brasil do litoral e ao do interior. O sertanejo (sitiante ou vaqueiro pobre do sertão nordestino) resultaria da mestiçagem entre brancos e índios, vinculado ao povoamento vagaroso do interior, ocorrido desde os primórdios da colonização. O isolamento em relação ao litoral e o tempo vagaroso desse processo teriam levado à formação de uma “sub-raça” mais estável e adaptada ao ambiente rústico do sertão. É esse o cerne da interpretação favorável ao sertanejo, “antes de tudo um forte”, que levaria vantagem em relação ao mestiço do litoral porque estaria adaptado ao meio que o constituíra. Há na mesma obra, entretanto, uma interpretação desfavorável a ele, a qual diagnostica o comportamento de Antonio Conselheiro e o fanatismo religioso como expressões do meio social produzido pela mestiçagem de raças inferiores com superiores. “A sua religião é, como ele — mestiça.”

No atacado, entretanto, a visão de Euclides da Cunha orienta uma vertente interpretativa que reconhece e valoriza a existência relativamente autônoma de grupos sociais constituídos por sitiantes pobres desde o início da colonização brasileira, apesar da instabilidade que caracteriza esse processo. 

De modo geral, os “estudos de comunidade” desenvolvidos na Escola Livre de Sociologia e Política (elsp, 1933), com o estadunidense Donald Pierson e o alemão Emílio Willems (único a lecionar simultaneamente na ffcl-usp e na elsp) à frente, e as pesquisas realizadas na usp por Antonio Candido, Gioconda Mussolini e Maria Isaura Pereira de Queiroz, seguem essa direção. Mesclando perspectivas sociológicas e antropológicas, discutem os problemas decorrentes da modernização capitalista, sobretudo os que implicam a transformação das formas de vida desses grupos.

As interpretações sugeridas por autores tão díspares politicamente como Oliveira Vianna e Caio Prado Jr. fundamentam outra forma típica de responder àquela mesma questão, sobre o estatuto histórico e sociológico do sitiante pobre, que teria em Homens livres na velha civilização do café, tese de doutorado de Maria Sylvia de Carvalho Franco, orientada por Florestan Fernandes e publicada como livro com o título Homens livres na ordem escravocrata (1969), seu desdobramento principal. Desse ponto de vista, a existência do pequeno produtor rural seria marcada por heteronomia e violência, constitutivas do seu modo de existir socialmente.

Seja por causa de sua suposta inferioridade étnica, seja por sua subordinação econômica ou política ao grande proprietário, o que importaria desse ponto de vista seria compreender as formas de relação com a totalidade na qual se insere o sitiante pobre e não os modos de organização sociais e culturais “internos”. Em Populações meridionais do Brasil, Oliveira Vianna fixa uma representação desse agente por meio da caracterização contrastante entre os dois estratos sociais que comporiam a sociedade brasileira desde a colônia: “aristocracia” e “plebe rural”. Sua visão justificava a inferioridade desta em função de teorias racistas em voga no Brasil do início do século xx, mas também em virtude da constatação, pelo autor fluminense, da hipertrofia do poder local, concentrado nas mãos dos grandes proprietários.

Oliveira Vianna defendia o fortalecimento e a centralização do poder estatal como remédios para corrigir as arbitrariedades do poder local e as fragilidades inerentes à sociedade rural brasileira. Distante politicamente dessa proposta, a argumentação de Caio Prado Jr. em Formação do Brasil contemporâneo (1942), no entanto, aproxima-se dela por outras vias. Referem-se, sobretudo, à caracterização negativa da pequena propriedade em função dos vínculos de subordinação econômica estabelecidos com o latifúndio escravista.

Essas representações divergentes sobre o universo social e cultural do sitiante pobre, construídas no âmbito do ensaio histórico-sociológico, direcionaram as interpretações propriamente sociológicas posteriores, condicionadas também por disputas entre as duas instituições acadêmicas mencionadas. Antonio Candido incorporou em Os parceiros do Rio Bonito um ponto de vista mais afinado com a perspectiva precursora de Euclides da Cunha, reforçada em Cunha (1947) por Emílio Willems, ao pressupor a autonomia, embora sempre relativa, da sociedade caipira. O pessimismo que encerra o livro e que acompanha de certa maneira todo a argumentação desenvolvida — constatando a fragilidade inerente à sociabilidade do mundo rústico, agravada com as mudanças decorrentes dos processos de modernização capitalista — decorre, por outro lado, da visão marxista urdida por Caio Prado Jr. em sentido contrário à anterior.

Antonio Candido perscrutou em Os parceiros do Rio Bonito os processos de obtenção dos meios de vida do caipira paulista, relacionados à produção da dieta e da sociabilidade. Através de reconstrução histórica, informada por relatos de viajantes e por depoimentos de idosos, acessou o “tempo dos antigos” e reconstruiu analiticamente a sociedade caipira tradicional. Morfologicamente demarcada pelo “bairro rural”, ela seria caracterizada pela produção de “mínimos vitais e sociais” e pelas “relações de reciprocidade” estabelecidas por meio de trocas alimentares, do mutirão, do folclore e das festas religiosas. A produção da dieta deve ser sublinhada, dado que o núcleo da alimentação caipira — mandioca, arroz, feijão e milho — viria a se espraiar por todas as classes, nos meios rural e urbano, como a comida brasileira por excelência, confirmando a presença direta do pequeno produtor no plano profundo da cultura nacional.

Relativamente isolada, sua origem relacionar-se-ia, entretanto, como a de toda a sociedade brasileira, de acordo com Caio Prado Jr., com a expansão do capitalismo comercial europeu, o que explicaria o vínculo necessário com o mercado, inicialmente intermitente e reduzido, mas progressivamente intensificado com a modernização do país. O tema do desenvolvimento capitalista e da formação da sociedade de classes aparece em Os parceiros do Rio Bonito, portanto, pelo avesso. Trata-se de dimensionar o impacto das transformações capitalistas no modo de vida das sociedades rústicas. O prognóstico explicitado na conclusão do livro denuncia a situação crítica então enfrentada pelo caipira sob tal processo e defende reforma agrária orientada pela perspectiva antropológica.

Um dos aspectos mais instigantes do trabalho relaciona-se à etnografia realizada em Bofete (sp), que nos aproxima da vida cotidiana do caipira, sobretudo daqueles de carne e osso, “os parceiros”, com quem Antonio Candido conviveu na fazenda Bela Aliança, no final da década de 1940 e em meados da seguinte, quando era administrada por seu amigo, o historiador Edgard Carone.

O modo como essa experiência é narrada também deve ser levado em conta. A clareza e o estilo literário de sua argumentação recuperam a tradição do ensaio histórico-sociológico brasileiro. A tese defendida por Antonio Candido dialoga com os grandes intérpretes da formação da sociedade brasileira, valorizando a presença quase invisível do caipira e da pequena propriedade nesse processo. Nos termos cortantes de Leonardo Arroyo, na orelha da primeira edição do livro, “sobe de suas páginas forte cheiro de terra esquecida e de homens abandonados”. A leitura de Os parceiros do Rio Bonito nos apresenta outro Brasil.

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Parceiros do Rio Bonito;

Luiz Jackson

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Ieda Lebensztayn é crítica literária, pesquisadora e ensaísta. Escreveu Graciliano Ramos e a Novidade: o astrônomo do inferno e os meninos impossíveis (Hedra, 2010). Co-organizou Cangaços (Record, 2014), Conversas (Record, 2014), O antimodernista: Graciliano Ramos e 1922 (Record, 2022), os dois volumes de Escritor por escritor: Machado de Assis segundo seus pares (Imesp, 2019) e Primeiras edições de Machado de Assis na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (Publicações bbm, 2022).

Iniciação à literatura brasileira

Ieda Lebensztayn

Escrito em 1987, Iniciação à literatura brasileira foi concebido por Antonio Candido como um resumo da produção literária do país, tendo como público-alvo leitores estrangeiros. Seria o capítulo de uma obra coletiva a respeito do Brasil, organizada pelo professor Ricardo Campa, a publicar-se na Itália quando do quinto centenário do descobrimento da América. Nesse contexto, o critério foi apresentar o movimento geral da nossa literatura até praticamente o decênio de 1950, em perspectiva histórica, evitando não só o excesso de nomes de autores e de obras, como também a indicação de contemporâneos, ainda não triados pela passagem do tempo.

Porém, como não se publicou o volume italiano, passados quase dez anos, em 1996, Antonio Candido resolveu tirar seu resumo da gaveta, a fim de lançá-lo internamente na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, na qual lecionou de 1942 a 1978, e até 1992 como orientador de pós-graduação.

Embora o autor não pretendesse torná-lo um livro regularmente editado, afinal reitera temas e questões de várias de suas obras, o propósito desse pequeno volume, explicitado na “Nota prévia” — de oferecer aos jovens da Universidade uma “aide mémoire que esclareça o desenho geral da literatura brasileira e sirva de complemento a textos mais substanciosos” —, garante a necessidade de sua publicação, demandando a vastidão de leitores. 

O livro se compõe de três capítulos: “Manifestações literárias”, “A configuração do sistema literário” e “O sistema literário consolidado”. Tais títulos deixam ver a concepção de literatura formulada por Candido como um sistema erigido sobre o tripé autor, obra e público, incluindo a circulação e uma tradição literárias. A apresentação dessa concepção nesse volume certamente contribuirá para o leitor de hoje, como caminho para reencontrá-la em especial nos volumes do crítico Formação da literatura brasileira: Momentos decisivos, de 1959, e Literatura e sociedade, de 1965.

A Introdução logo nos possibilita observar uma particularidade da nossa literatura: ela carrega a ambiguidade entre integrar o conjunto das literaturas ocidentais e trazer modificações conforme as condições do Novo Mundo. Daí o caráter relativo de se pensar no seu “começo”, diversamente das literaturas matrizes, a portuguesa, a francesa ou a italiana, que se constituíram paulatinamente, junto com as respectivas línguas. A colonização portuguesa implicou o transplante da língua e literatura para um meio físico diferente, povoado por outras raças e outros modelos culturais. Houve um processo brutal de imposição da cultura do conquistador, com a transposição das leis e dos costumes da metrópole.

Assim, Candido apreende um duplo movimento de formação da literatura brasileira: de um lado, a visão da nova realidade demandava temas diferentes dos presentes na literatura da metrópole; de outro, a necessidade de expressão dos sentimentos e dessa realidade local pedia a adaptação dos gêneros. Era preciso exprimir a singularidade do Novo Mundo, mas manter o contato inspirador com as matrizes do Ocidente. Desse modo, tanto as obras feitas pela transposição dos modelos ocidentais quanto as que se diferenciavam deles nos temas, no tom e nas formas expressam o processo constitutivo de uma literatura derivada, que, acompanhando a passagem de colônia até nação, com o tempo desenvolveu seu timbre próprio e sua personalidade.

Antonio Candido entende, pois, que a história da literatura brasileira decorre de uma imposição cultural que aos poucos gerou expressão literária autônoma, embora vinculada aos centros europeus. Por isso, identifica três etapas na literatura brasileira, dedicando a cada uma o respectivo capítulo desse livro. Ao conhecer essas etapas, o leitor de hoje poderá acompanhar fatos da história do Brasil, como a primeira mudança de capital do país e seus fatores econômicos, as lutas pela independência e pela abolição da escravatura, e a importância da literatura no processo de conquista de consciência e autonomia individual e social.

A era das manifestações literárias — que vai do século xvi ao meio do xviii e tem como sede a Bahia, então capital do Brasil, diretamente ligada à metrópole — inclui escritos como poemas de fundo religioso, destinados à conversão dos povos originários, descrições do país e relatórios administrativos. Candido salienta a atuação de José de Anchieta (1534-97): resistindo a um processo de dominação linguística e homogeneização cultural, o patriarca da nossa literatura escreveu poemas e atos teatrais de cunho religioso, inclusive no idioma Tupi. O crítico disserta a respeito dos cronistas, como Gabriel Soares de Sousa e seu Tratado descritivo do Brasil (1587), Frei Vicente do Salvador e a História do Brasil (1627), Simão de Vasconcelos e a Vida do venerável Padre José de Anchieta (1672). Ele realça a transfiguração da imagem do abacaxi, novidade americana, encimada por coroa. E merecem sua atenção evidentemente os sermões do padre Antônio Vieira e a poesia de Gregório de Matos, sendo o Barroco literário a linha de maior interesse dessa era das manifestações literárias

Da era de configuração do sistema literário, do meio do século xviii à segunda metade do xix, Candido ressalta as tentativas de renovação arcádicas e neoclássicas e a grande fratura representada pelo Romantismo. No decênio de 1760 a capital foi transferida para o Rio de Janeiro, e já se pode falar do esboço de uma literatura como fato cultural configurado: existem a consciência de grupo por parte de intelectuais, o reconhecimento de um passado literário local e o começo de maior receptividade por parte de públicos. No Arcadismo, as aspirações de independência em relação à metrópole levaram alguns poetas à prisão, ao desterro. As Cartas chilenas (1789), de Tomás Antônio Gonzaga, expressam o inconformismo das elites coloniais contra a administração portuguesa.

Em 1808, com a vinda da família real portuguesa, houve progresso no Brasil, inclusive intelectual, com o surgimento de bibliotecas, associações científicas e literárias, tipografias, jornais, revistas, teatros. Posterior à Independência (1822), o Romantismo privilegia uma dimensão localista e o desejo de expressar a singularidade do país e do eu. Candido destaca o aparecimento do romance no decênio de 1840 e o Indianismo de poemas de Gonçalves Dias e de narrativas de José de Alencar, “fenômeno de adolescência nacionalista na literatura brasileira”. Aponta que Alencar foi o primeiro escritor a se impor à opinião pública e que, inspirado na Comédia humana de Balzac, buscou representar em romances os diversos aspectos do país, por meio de uma expressão brasileira. Nos anos 1870 e 1880 vieram as ideias abolicionistas, sobressaindo os poemas de Castro Alves, romances de Bernardo Guimarães e ensaios de Joaquim Nabuco.

Enfim, na era do sistema literário consolidado, da segunda metade do século xix aos nossos dias, estava amadurecido o sistema literário do Brasil, com um conjunto numeroso de escritores, veículos de difusão dos textos e uma tradição local. Sinal desse amadurecimento, observa Candido, é a obra de Machado de Assis (1839-1908). Combinando “raro discernimento literário” e “forte cultura intelectual”, o romancista, contista, poeta, dramaturgo, cronista e crítico impôs-se aos grupos dominantes, apesar de sua origem modesta, atingindo raro reconhecimento público. Candido também sublinha, nesse tempo, o desenvolvimento da crítica literária, com Sílvio Romero, José Veríssimo e Araripe Júnior. E as várias tendências decorrentes da reação antirromântica, o Naturalismo, o Parnasianismo e o Simbolismo, com destaque para nomes como Inglês de Sousa, Adolfo Caminha, Aluísio Azevedo, Olavo Bilac, Cruz e Sousa.

Numa síntese que dialoga com seu ensaio “De cortiço a cortiço”, de 1973, presente em O discurso e a cidade — exemplar do seu método de “redução estrutural”, análise da interiorização estética da realidade do mundo e do ser, caminho fértil para a crítica dialética —, Antonio Candido vê o cortiço do romance de Aluísio Azevedo como o próprio Brasil, “regido pela exploração econômica do estrangeiro e a sujeição do povo humilde”, então composto em grande parte de negros, mestiços e imigrantes pobres. 

O crítico comenta a importante atuação de escritores como Euclides da Cunha, Lima Barreto, Augusto dos Anjos e Monteiro Lobato. E salienta a ruptura representada pelo Modernismo de 1922, que abriu a fase por ele considerada a mais fecunda da literatura brasileira, com Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Como em “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, de 1950, ensaio de história literária igualmente voltado a estrangeiros (incluído em seu volume Literatura e sociedade), Candido assinala que o Modernismo, garantindo a liberdade de criação e de experimentação, iniciou um período de renovação contra a “literatura de permanência”. Na sequência, os anos de 1930 e 1940 foram de modernização geral, nas ciências, no ensino, na edição, na literatura. Ressalta o chamado “romance nordestino”, de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Jorge Amado: com consciência crítica, tratou o homem pobre do campo e da cidade como sujeito. E vários outros escritores modernos, como Dyonélio Machado, Murilo Rubião, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, são evocados por meio de comentários precisos. 

Assim, em Iniciação à literatura brasileira, Antonio Candido combina clareza de linguagem com vasto conhecimento, sobressaindo a simplicidade, resultado da ação do tempo a condensar sua sensibilidade e erudição. Por meio desse estilo cativante, ele constitui, nesse livro, uma perspectiva atenta, a um tempo, à dimensão estética e à significação histórica dos vários momentos da formação e da consolidação da literatura no país, tendo sempre no horizonte a configuração de uma comunicabilidade artística transformadora da realidade. Deixando ver o papel do crítico, distingue sempre os jogos de força entre dominantes e subordinados e a busca de autonomia e voz para os que resistem aos exploradores. 

O leitor tem a rara oportunidade, nesse volume, de deparar com sínteses agudas a respeito do estilo, da perspectiva e da representatividade dos diversos escritores de cada época da historiografia da literatura brasileira. Candido nos apresenta, em poucas linhas, mas com a devida complexidade, a poética desses autores, convidando-nos a conhecê-los melhor. A muitos deles o crítico dedicou ensaios, que constam em obras como Vários escritos e A educação pela noite, porém é preciso destacar as sínteses certeiras aqui presentes, em especial sobre Machado de Assis, Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.

Leiam-se, pois, algumas palavras de Antonio Candido em Iniciação à literatura brasileira acerca de Machado de Assis. Ele identifica na obra machadiana um “elemento fugidio” que causa perplexidade e atração; uma aparência de ceticismo, como também, no subentendido das cenas, “o interesse lúcido pela realidade social e o sentimento das suas contradições”; a capacidade de despistar o leitor por meio de uma “frieza irônica que pode significar desapreço pelo homem, mas pode ser também um método de afastamento, recobrindo a compreensão piedosa”. “Por causa dessa capacidade de fundir frieza e paixão, serenidade e revolta, elegância e violência, a sua escrita [de Machado] é um prodígio de elaboração, que, tendo-se despojado dos acessórios, é sempre moderna, apesar de raros traços de preciosismo.”

Luiz Carlos Jackson é professor de sociologia na Universidade de São Paulo e pesquisador do Núcleo de Sociologia da Cultura/USP. É autor dos livros A tradição esquecida: Os parceiros do rio Bonito e a sociologia de Antonio Candido (segunda edição ampliada, UFMG, 2018) e, em parceria com o sociólogo argentino Alejandro

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O sucesso editorial persistente de Os parceiros do Rio Bonito reforça a tese de que esse livro pode ser lido como uma interpretação abrangente sobre os processos de “formação” e “modernização” da sociedade brasileira, analisados a partir do mundo social do caipira, o sitiante pobre paulista, inscrevendo-se na tradição do ensaio histórico-sociológico brasileiro. O livro foi publicado pela primeira vez em 1964 na Coleção Documentos Brasileiros, da Editora José Olympio, pela segunda em 1971 pela Duas Cidades, que editou o livro até sua décima edição (de 2001), esta realizada em parceria com a Editora 34. A Ouro sobre Azul editou a 11a e a 12a (2017), a última em coedição com a Edusp. Celebramos agora uma nova edição pela Todavia, alcançando a média aproximada de uma edição a cada quatro anos e meio em quase sessenta anos. 

O livro originou-se da tese de doutorado de Antonio Candido, defendida em 1954, e os dez anos de intervalo entre as duas publicações envolveram a mudança institucional do autor entre a sociologia e a crítica literária, inscrita no processo amplo de polarização política que conduziu ao golpe de 1964 e à ditadura miliar (1964-85). Nascido em 1918, descendente de famílias das oligarquias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, filho de um médico, Candido passou a infância e parte da adolescência em Poços de Caldas (mg) e veio para São Paulo antes de completar vinte anos, movido pela expectativa de ingressar na então recém-criada Universidade de São Paulo (1934). Ali deixaria inconclusa a formação em direito e se tornaria sociólogo numa das primeiras turmas do curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, ensinado pelos professores da missão francesa, em especial por Roger Bastide, que exerceu enorme impacto sobre seus alunos e alunas na longa temporada (1938-53) em que lecionou na instituição. Não obstante, o convite para ingressar na carreira acadêmica como professor assistente partiu de Fernando de Azevedo, então catedrático da Cadeira de Sociologia ii, logo após Antonio Candido concluir a graduação em 1941. No início dos anos de 1940, o jovem sociólogo iniciou, também, sua atividade profissional como crítico literário nos jornais (Folha da Manhã e Diário de São Paulo), catapultada pela iniciativa de editar com colegas da faculdade a revista cultural Clima (1941-4), na qual se destacou ao escrever sobre literatura. Essa dupla atividade combinou a formação educacional privilegiada que recebeu desde criança ao treinamento intelectual sistemático obtido no curso de ciências sociais, sob a orientação dos professores franceses.

A produção intelectual copiosa das primeiras gerações de sociólogos e sociólogas paulistas derivou dessa experiência de institucionalização extraordinária — conectada diretamente com os centros da sociologia europeia e estadunidense — e rompeu com a tradição intelectual estabelecida pelos ensaístas, formados em direito, medicina ou engenharia, ao introduzir novos temas, objetos e perspectivas de análise e reivindicar a sociologia como ciência. Ao mesmo tempo, os e as cientistas sociais deram continuidade a essa tradição retomando problemas e interpretações nela fixados. De forma geral, a sociologia restringiu o foco de grande angular das grandes interpretações do Brasil, forjadas, entre outros, por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr., em favor de enquadramentos mais específicos, como os que se voltaram às comunidades e aos pequenos produtores rurais, embora ainda interessada nas questões associadas da “formação” e “modernização” da sociedade brasileira, eixo da tradição ensaística. 

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